Vídeo mostra congolês sendo espancado até a morte no Rio; polícia pede prisão de três assassinos

Imagens de câmeras de segurança do quiosque mostram homens espancado o congolês até a morte

Moïse Kabamgabe foi morto após cobrar diárias atrasadas em um quiosque na Barra da Tijuca, onde trabalhou/Reprodução

Imagens de câmeras mostram barbárie cometido pelos assassinos do jovem/Reprodução

Imagens de câmeras de segurança do quiosque Tropicália mostram o momento em que o congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, de 24 anos, é espancado até a morte com pedaços de madeira e um taco de beiseol no estabelecimento na orla da Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio.

As imagens obtidas pelo g1 (1º), mostram que as agressões começam depois de uma discussão entre um homem que segura um pedaço de pau e o congolês, que levanta objetos do quiosque como uma cadeira e um cabo de vassoura.

Em um momento, Moïse mexe em um refrigerador, e aí se aproximam mais dois homens. Um deles o derruba e, na sequência, começa a sessão de agressões. Em vários  momentos é possível ver que o congolês, que teve os pés e mãos amarrados, leva mais golpes com um pedaço de madeira.

Um homem, identificado como Alisson Cristiano Alves de Oliveira, de 27 anos, que afirma ter cometido as agressões foi levado no início da tarde de ontem para a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC). Outro envolvido no ataque também foi preso. Segundo a polícia, ele é vendedor de caipirinhas na praia e foi detido em Paciência, também na Zona Oeste do Rio. O dono do quiosque também foi ouvido pela Polícia Civil.

Dívida de R$ 200

O congolês foi espancado até a morte depois de cobrar R$ 200 por duas diárias de trabalho não pagas no quiosque Tropicália, na orla da Barra, na Zona Oeste. As agressões duraram pelo menos 15 minutos.

A barra de madeira usada no espancamento do congolês foi apreendida pela polícia/Nicolás Satriano/g1

Barra de madeira apreendida

A polícia apreendeu uma arma usadas no crime: uma barra de madeira, que tinha sido descartada em um mato perto do local do crime, segundo Damasceno. O delegado também afirmou que as pessoas que agrediram o congolês não trabalham no quiosque.

Os três assassinos presos nesta terça-feira (1) pelas agressões que levaram à morte de Moïse foram indiciados e deverão responder por homicídio duplamente qualificado, impossibilidade de defesa e meio cruel.

Segundo a polícia, o vendedor de caipirinhas preso em Paciência, foi identificado como Fábio Silva. Ainda segundo a polícia, ele confessou aos agentes que deu pauladas no congolês. Ele estava escondido na casa de parentes.

O outro é Alisson Cristiano Alves de Oliveira. Em um vídeo, ele afirmou que “ninguém queria tirar a vida dele” (Moïse) e que o grupo foi “defender o senhor” do quiosque do lado, com quem Moïse teria tido “um problema”, segundo Alisson. A identidade do terceiro preso não foi informada pela polícia.

A defesa do dono do quiosque onde Moïse trabalhava afirmou que ele não conhece os agressores. O comerciante também negou que havia dívidas do quiosque com Moïse. Ainda segundo a defesa, o cliente estava em casa quando o congolês foi espancado e apenas um funcionário do estabelecimento estava no local no momento das agressões.

O delegado Henrique Damasceno, da Delegacia de Homicídios, informou que seria solicitada à Justiça que os três fossem mantidos presos nesta fase da investigação.

Ao menos 30 pauladas 

As imagens mostram que Moïse Kabamgabe recebeu ao menos 30 pauladas dos agressores — parte delas enquanto estava imobilizado no chão, sem chance de defesa. As imagens mostram que as agressões começam depois de uma discussão entre um homem que segura um pedaço de pau e o congolês, que levanta objetos do quiosque como uma cadeira e um cabo de vassoura.

Em um momento, Moïse mexe em um refrigerador, e aí se aproximam mais dois homens. Um deles o derruba e, na sequência, começa a sessão de agressões. Em vários momentos é possível ver que o congolês não oferece mais resistência enquanto leva mais golpes com um pedaço de madeira.

Traumatismo do tórax com contusão pulmonar
O laudo do Instituto Médico Legal (IML) apontou como causa da morte traumatismo do tórax com contusão pulmonar e também vestígios de broncoaspiração de sangue. O documento revela lesões concentradas nas costas e o tórax aberto, com os órgãos dentro.

Orla Rio fecha quiosque onde aconteceu o crime/Fabio Costa/Agência O Dia

A Orla Rio, detentora dos direitos da concessão pública de alguns quiosques da Praia da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, suspendeu a operação do quiosque Tropicália e da Lanchonete LTDA, estabelecimentos localizados no mesmo ponto onde o jovem foi morto.

A Prefeitura do Rio, por meio das secretarias de Fazenda e Planejamento (SMFP) e de Ordem Pública (SEOP), também suspendeu a licença do alvará de funcionamento até que sejam apuradas, pelos órgãos responsáveis, as responsabilidades sobre a morte do cidadão congolês.
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Os quiosques já foram notificados na tarde desta terça-feira. A interdição tem o objetivo de garantir a proteção da população local e se manterá em vigor até que seja verificado o atendimento das condições de segurança para reestabelecimento das atividades, em obediência às determinações previstas no termo de permissão de uso do local.

A concessionária Orla Rio disse que está aguardando o resultado da investigação da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), e, caso os responsáveis sejam considerados culpados pelo crime, a Orla Rio vai rescindir o contrato, com a consequente retomada de posse do quiosque, bem como o ingresso de ação judicial própria para reparação das perdas e danos.

Por meio de nota, a empresa reforçou que é veementemente contra qualquer ato de violência e está à disposição das autoridades policiais para ajudar no que for preciso com a investigação desse crime brutal ocorrido no dia 24 de janeiro. Por fim, a concessionária disse estar profundamente estarrecida com o ocorrido e se solidariza com a família do Moïse Mugenyi Kabagambe.

Governador Cláudio Castro: punição rigorosa para os culpados/Divulgação/L Alvarenga

Castro diz que morte é ‘barbárie’ e promete rigor na investigação

O governador do Rio, Cláudio Castro, disse na manhã desta terça-feira (1º) que a morte de Moïse não ficará impune e prometeu rigor na investigação. “O assassinato do congolês Moïse Kabamgabe não ficará impune. A Polícia Civil está identificando os autores dessa barbárie. Vamos prender esses criminosos e dar uma resposta à família e à sociedade. A Secretaria de Assistência à Vítima vai procurar os parentes para dar o apoio necessário”, escreveu Castro no Twitter.

O prefeito Eduardo Paes também se pronunciou, nesta terça, sobre o crime. “O assassinato de Moïse Kabamgabe é inaceitável e revoltante. Tenho a certeza de que as autoridades policiais atuarão com a prioridade e rigor necessários para nos trazer os devidos esclarecimentos e punir os responsáveis. A prefeitura acompanha o caso”, escreveu o prefeito no Twitter.

Família na Comissão de Direitos Humanos da OAB

A família de Moïse esteve nesta segunda-feira com a Comissão de Direitos Humanos da OAB, que vai acompanhar o caso.
“Ele foi brutalmente assassinado em frente a um quiosque e os vídeos das câmeras de segurança disponíveis mostram quem foram as pessoas que o agrediram até a morte. Não há dúvidas de que o racismo foi um fator no caso. As imagens mostram mais um negro sendo espancado até à morte, algo que pessoas que transitavam pelo local já normalizaram. Vamos exigir que o Ministério Público denuncie cada uma dessas pessoas e, principalmente, identifique o gerente do quiosque, que teria chamado esses agressores”, afirmou o presidente da CDHAJ, Álvaro Quintão.

Lotsove Lolo Lay Ivone, mãe de Moïse/Fabio Costa/Agência O Dia

Repercussão da bárbarie

A morte brutal de Moïze Kabamgabe segue repercutindo entre os grupos e instituições que atendem os refugiados no país. O Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio da Cáritas (PARES Cáritas RJ), a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e a Organização Internacional para as Migrações (OIM), informaram que vão acompanhar o caso.

O Abuna, uma organização sem fins lucrativos, também repudiou o ocorrido. “O Abuna repudia este ato de covardia, brutalidade e xenofobia. Nos unimos à família de Moïse e demandamos justiça. Barbáries como esta não podem acontecer. Crimes como este precisam acabar. Nossa oração é por consolo aos familiares da vítima, para que o Espírito Santo enxugue cada lágrima. Neste dia, nós choramos com a querida comunidade congolesa no Brasil”.

Moïse tinha 25 anos e chegou ao Brasil ainda criança, acompanhado de seus irmãos. No país, ele e sua família foram reconhecidos como refugiados pelo governo brasileiro. Segundo o Programa, ele era uma pessoa muito querida por toda a equipe do PARES Caritas RJ, que o viu crescer e se integrar.

“O PARES Cáritas RJ, o ACNUR e a OIM estão acompanhando o caso, esperando que o crime seja esclarecido. Neste momento, as organizações apresentam suas sinceras condolências e solidariedade à família de Moïse e à comunidade congolesa residente no Brasil”, disse em um comunicado conjunto entre as equipes PARES Cáritas RJ, ACNUR Brasil e OIM Brasil.

Parentes e amigos também pediram rigor na investigação da morte do congolês. “Meu filho cresceu aqui, estudou aqui. Todos os amigos dele são brasileiros. Mas hoje é vergonha. Morreu no Brasil. Quero justiça”, afirmou Ivana Lay, mãe de Moïse, em entrevista ao “Bom Dia Rio”, da TV Globo.
O advogado Rodrigo Mondego, que representa a família de Moïse Kabamgabe, disse que os órgãos do rapaz não foram retirados. “Apuramos que a retirada de seus órgãos não procede, a falta de informação no IML levou a família a acreditar nisso. A CDH OAB/RJ seguirá no caso”, escreveu Mondego.