ONU pede investigação independente de ação policial que deixou 25 mortos no Rio

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Rubert Colville, porta-voz dos Direitos Humanos da ONU: crítica ao uso desnecessário e desproporcional da força pela polícia nos bairros pobres, marginalizados do Rio/Reprocução/CNN

A ONU criticou a ação policial que deixou 25 mortos em Jacarezinho, no Rio, e pede investigação independente do caso. A operação é considerada a maior chacina da história do Rio.

“É o aprofundamento de uma tendência de longa data de uso desnecessário e desproporcional da força pela polícia nos bairros pobres, marginalizados e predominantemente afro-brasileiros do Brasil, conhecidos como favelas”, disse o porta-voz dos Direitos Humanos da ONU, Rubert Colville.

O representante da entidade também lembrou que a ação acontece em meio a uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que impede incursões policiais em favelas durante a pandemia. O ministro Edson Fachin pautou uma nova ação para discutir o tema.

Colville alerta que a força letal deve ser usada como último recurso: “Lembramos às autoridades brasileiras que o uso da força deve ser aplicado somente quando estritamente necessário, e que devem sempre respeitar os princípios da legalidade, precaução, necessidade e proporcionalidade”.

Ele também pediu uma investigação independente do caso para apurar as responsabilidades. “Isso estabelece que as autoridades devem garantir a segurança e a proteção das testemunhas e protegê-las de intimidação e retaliação”, afirmou.

O colunista internacional do Grupo Bandeirantes, Jamil Chade, disse que o ocorrida foi noticiado como um “banho de sangue” pela imprensa estrangeira.

Chade destaca que a ONU reconhece a presença de grupos criminosos na região, mas pede um modelo de segurança menos letal.

A vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB no Rio, Nadine Borges, classificou a situação como clima de terror generalizado e disse que familiares procuravam parentes desaparecidos.

“Primeiro o choque inicial foi a quantidade de sangue nos becos da favela. Era muita poça de sangue. A segunda casa que nós visitamos era a casa de uma família, um casal e uma criança de 8 anos. Nessa casa um rapaz foi executado no quarto da menina de 8 anos. Essa família viu a execução, inclusive a menina de 8 anos”, relatou a defensora pública Maria Julia Miranda.

Manifestação na Cidade da Polícia

Na manhã desta sexta-feira, manifestantes protestaram em frente à Cidade da Polícia, que é localizada em frente à favela do Jacarezinho.

A Polícia Civil do Rio disse que tinha mandados de segurança autorizados pela Justiça. As forças de segurança também negam que tenha ocorrido execuções e disse que a única pessoa executada sumariamente foi o policial morto na ação.

A denúncia é de que traficantes estavam recrutando e treinando menores de 12 anos para o crime. Um vídeo mostra um policial contando histórias para tranquilizar crianças durante a operação.

Policial civil André Frias, morto na operação de quinta-feira no Jacarezinho/Reprodução

Policial civil morto em operação tinha oito anos de corporação e deixa mãe de cama, vítima de um AVC

O policial civil André Leonardo de Mello Frias, de 48 anos, deve ser enterrado nesta sexta-feira (7). Baleado durante operação no Jacarezinho, na quinta (6), ele estava casado desde 2018 com uma policial civil e tinha um enteado de 10 anos.

O policial também era responsável pelo sustento da mãe que sofreu um AVC há três anos e vive sobre uma cama.

O agente foi atingido por um tiro na cabeça pouco depois das 6h, quando começou a operação. Ele tinha acabado de descer do Caveirão, o veículo blindado da Polícia Civil.

Às 6h30, o policial chegava para ser atendido no Hospital Salgado Filho, no Méier, mas não resistiu aos ferimentos. A decisão de descer do Caveirão e seguir a pé pela favela aconteceu após a equipe que estava no interior do veículo se deparar com barreiras colocadas por traficantes no meio da rua.

Seis policiais desceram do veículo e entraram na comunidade do Jacarezinho a pé. André Frias era um dos últimos da fila de agentes. A partir do momento em que deixaram o Caveirão, a equipe começou a ser alvo dos disparos.

Casamata

Segundo a polícia, havia uma espécie de casamata, feita de concreto com um buraco para que o criminoso coloque o fuzil e realize os disparos. Foi de lá que partiu o tiro que atingiu o policial.

“O policial baleado na cabeça foi alvejado de uma construção de concreto. Havia várias dessas na favela. Eles se planejaram. Tiveram tempo. Fizeram um bunker de defesa para atacar a polícia”, contou Rodrigo Oliveira, subsecretário Operacional da Polícia Civil.

Dois policiais já estavam abrigados e um terceiro ferido no braço quando um disparo bateu no chão, ricocheteou e atingiu a cabeça de André Frias que estava agachado.

“Se tivéssemos o helicóptero, com câmera e todo o suporte, talvez o policial não tivesse morrido. Talvez tivéssemos menos mortos. Porque ele protege a todo. O helicóptero diminui confronto. Com o helicóptero há menos letalidade”, disse Ronaldo Oliveira, assessor especial da Secretaria de Polícia Civil.